quarta-feira, 16 de setembro de 2009

infância ou saudade do tempo que eu corria e fazia aula de inglês

muita coisa acontecendo
pessoas passando
trabalhos da faculdade

o estômago leve
um pouco doendo
um pouco vazio

o burburinho da catina
não quero
o barulho das conversas e risadas
na sala da computação
tudo bem
antes da costura
da saia xadrez
ver os e-mails
te mandar uma carta de amor
:)

ter o brinco da vó na frente do teclado
o brinco de rosas
desbotado
cor-de-rosa
a rosa
com cor
dela própria
cor de bebê
tom pastel
o raminho verde
e as flores
rosas
rosas rosas
quase um retrato em sépia

e de repente
depois de vir
um trecho x
de faroeste caboclo
e é melhor o senhor
sair da minha casa
nunca brinque com um peixe
de ascendente escorpião
vem minha vó
minha outra vó
não a do brinco

vem a lembrança do hospital
da lancheria
da madrugada sem dormir
das escritas
os poemas!
no caderninho bem destruído
a nostalgia, o pensamento
o hospital cheirando
cheirando a alcool
as paredes brancas
o corredor vazio
só comigo e minha insônia

o chá de hortelã
pra acalmar e ajudar a dormir
e
foda-se
o café preto também
a paixonite da época
as ilusões
aspirações de ser uma grande jornalista
escritora
os sonhos
as preocupações
com a prova de matemática

uma época
une belle époque peut-être
de poesia
escrita, lida
o sofrimento meio intencional
sentido e
quase
induzido

e o som inóspito
solitário
de passos
ao longe
distantes da realidade
rápidos
ágeis
e
novamente
o som da minha insônia
a respiração
a volta pro quarto
pelos azulejos
o corredor ainda escuro
os quartos ainda calmos
quietos
todos em ventres
cuidados
frágeis

a porta pesada

e a vó dormindo
pequena
encolhida
rugosa
do tempo
do vento do sul
dos meses de trabalho
dos dias de vida
das cucas que me fez
das histórias que me leu
que nos leu
ali
nunca tinha a visto dormindo
em paz
tranquila
quase bem
de novo

puxo o lençol branco
como neve
como pluma
um pouco macio
geladinho da madrugada
como se pedindo meu corpo
meu calor
e deito na cama de acompanhante
de metal
meio dura
meio barulhenta
quase uma maca
de hospital
no hospital
que eu pensava
quando criança
que era do meu pai

fechei os olhos
e cedi ao pedido da outra vó
a do brinco
uma oração
santo anjo do senhor
meu zeloso guardador
me guarda
me protege
(e à vó)
me ilumina
que amanhã
tem prova de matemática
amém

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