segunda-feira, 1 de julho de 2013

do cotidi, do ano, do agora


e os dias vão passando
mais, menos
o café segurando as pontas dos dois lados
pra não desabar por terra qualquer esperança
 
apagando e-mails, delentando sistematicamente
as rebarbas que me sobram da vida
começando de vagarinho
para não aparar demais
e perder o cabelo que custou a crescer
 
a gente, depois de uma idade
e olha que nem é muita, há quem diga
a gente.. não se joga mais
no vazio, sem amarras
sem capacete, joelheira e proteção nos olhos
não arriscamos os dentes por uma aventura construída de areia
 
e às vezes
sinto essa necessidade
de quebrar xícaras e pisar nos cacos
sentir a dor que me é negada
sentir o sangue escorrer quente
e as mãos apertarem o nada

às vezes
preciso do físico para me sentir viva
e da loucura momentânea para me saber aqui
 
mas outras
como agora
nessa segunda insossa
de nuves cinzas
de olhos cinzas
de mãos frias
o cotidiano é tamanho
e tão sufocante
que me falta o ar pra dizer
e aí escrevo
 
que se não fosse por tanto
seria por menos
e por mim - aí sim
revirava do avesso do avesso do avesso
esse dia a dia pobre e parco e sujo
 
e fodia com a porra toda

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Reflexões do agora ou geração de instâneos solitários egóicos

O instagramar virou o novo diário escrito
O dia a dia documentado em fotos
De um cotidiano comum por vezes
E que subverteu a ordem do secreto
É escancarado
Aberto aos muitos que vão olhar

Gosto dessa flexibilidade
Da câmera analógica de 36 poses
Que se tornou 1000 fotos digitais
Da máquina de escrever barulhenta
Transfigurada no teclado do iPad
Da mudança do velho ao novo
Muito embora o antigo venha cheio
De significados e memórias

Nós
Filhos da geração pós-Coca Cola
Nos satisfazemos somente com a rapidez
Se for supérfluo ou parco
Se a profundidade passar longe
Tanto faz
Contanto
Que estejamos mostrando
Lendo manchetes
Baboseiras de mentes diversas

Absorvendo superficialmente imagens
Engolidas no agora
Vivendo de segundos internéticos
Preciosos, egóicos
Somos
A geração do instantâneo
Do já
Do ontem em tempo
Do amanhã em vontades
E seguimos assim
Nostálgicos e incompletos
Contemporâneos de nós mesmos

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Buenos Aires

fazia tempo que a conhecia
desde os primordianos do alto dos meus 14 aninhos e não mais
visitei a grande maçã latino americana
de ares bons
e povo parecido comigo
em trajes, trejeitos, gostos e culturas

volto agora
oito primaveras ou mais depois
para os bequinhos de san telmo
cheio de tango e cheiro de antigas lembranças
de uma cidadela de tempos passados e não esquecidos
passo pelos inúmeros cafés de luzes avermelhadas 
tremeluzentes, relampejantes
do centro
de ruas largas, avenidas infinitas, propagandas americanas
presentinhos e quinquilharias 
do couro conhecidamente argentino

caminho leve pelas calçadas quentes
que desembocam na arquitetura de detalhes impecáveis da recoleta
na livraria que sonhei um dia
nas portas de monumentalismos e belezas incontestáveis

caio sem eira na beira oscilante 
de puerto madero
um porto de ventos bons e irritáveis
de águas turvas e barcos singelos
de restaurantes ribeirinhos que cobram dólares 
de comidas de típico teor carnívoro

tropeçando, me vejo
sem querer, em um rosedal
clássico, de rosas absurdas
que me lembram a delicadeza
e a aspereza do poema de vinícius
e no jardim japonês-argentino

tudo dentro de palermo, o soho gaucho
as ruas perpendiculares
as lojas ainda fechadas, garrafas pelo chão, denotam noites de boemia e juventude 2013 
o novo do novo
me fazendo crer na cidade mais díspar e plural já concebida

sem entender, paro nas cores
nas madeiras pintadas
no tango para turistas
nos tecidos
padrões e losangos
do étnico peruano
adquirido pelo mundo platino
como nunca
vou caminhando
comendo pêra
pela feira
do caminito
imaginando os poetas e milongueiros de outrora
que chegavam no porto pelo mar
tinham mulheres e cachaças e melodias acordeônicas 
como bons regalos

me pego agora
de esquina com sol tímido
fotos no filme a revelar
escritas a serem feitas
notas sobre uma cidade
de avenidas grandes
de horizonte largo
de mil teatros
sebos a centenas
gosto antigo 
kitsch refinado
mulheres de nariz grande e pele bronzeada
uma grosseria delicada
homens de sutil hombridade 
gente buena
que posso agora dizer segura
hermanos
de ventos calientes 
e língua parecida
tens uma cidade 
belíssima
preciosa
de bueno gusto
de buenas calles
que não a toa é conhecida
pelos seus
buenos aires

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

reflexões de uma noite saudosista solitária. ou dos consecutivos chutes do destino que me tiram o fôlego

26/12/12
quase fim de ano
reabri meus cadernos 
antigos
revirei as páginas dos meus
16 anos
ou menos
quantas escritas
jogadas ao léu
quantas letras perdidas 
no tempo

quase ano
que virá
Passo Fundo
ainda é
a cidade mais intimista
de eternos acontecimentos
de retorno
de volta
de pararpausar
a roda gigante
e rever o trajeto

revi os livros de magia
branca
leitura de mão
e de letras
revi minha letra
tão mudada
de legível para
inalcansavelmente
borrada
única e rápida
em poucos anos

e nesse tempo passado
a letra
é somente 
um pormenor 
uma consequência
do que mudou internamente

me deparei
entrando
no quarto antigo
lento
denso
com duas fotos 
nas paredes ao lado do espelho
um bebê
com menos de um ano
e uma adolescente de 15
com olhares
ambos
de deslumbre e determinação
essenciais características
de Caroline

assim
na areia dos dias leves
penso
esse deslumbre, perdi?
vejo agora
no reflexo
as janelas 
de minh'alma
-
olhos de calejo
e molejo
olhos de swingar na vida
olhar de ilha
de perda e ganho e costume
adaptação
cílios longos de cansaço
retóricos
oblíquos

olhos de cantos felinos
de falta latente
olhos meus
de Carol não bebê
nem criança, nem adolescente
mas de adulteza ganha
de vida
finalmente desvendada e conhecida

pequenas
bolitas frágeis 
de centro de universo
de cores diversas
-
não mais azuis
de tremenda inocência
mas verdes
de amarelo claro
e azulada córnea
de tamanha
malemolência
malandreza
...malevolência?

só o tempo
dos ponteiros a ticar
dos relógios infindos
... dirá